sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Sobre os momentos mais especiais da vida - I,


costumam ser raros e marcantes; nem sempre nos damos conta de sua grandeza no ato em que ocorrem, sendo por vezes necessária a carinhosa análise retrospectiva, como acontece, por exemplo, quando lembramos do quanto foi mágico aquele dia da infância distante, quando, pequenos em estatura, mas grandes em espírito - como só as crianças sabem ser, recebemos da vida um olhar oblíquo e iluminado. São as lembranças geralmente mais ricas em texturas e símbolos. Assim foi o dia em que, ao final da aula, em uma rua vizinha ao colégio, encontrei um amigo sentado no meio fio, só e cabisbaixo. Após mais um dia de incansável zombaria por parte dos colegas, ele parecia finalmente ter sido abatido em seu ego de pequeno homem. Sendo o cara especial que era, sempre me impressionou a complacência esportiva com que recebia as pesadas brincadeiras dos demais, que insistiam em reparar nos mínimos detalhes de sua existência e disso garantir sua cota diária de diversão. Naquele dia, porém, eu notei a queda do gigante e, angustiado, não o vi entre nós ao tocar do último sino da tarde. Inventei uma desculpa qualquer e fui em sua busca. O movimento ainda era pouco fora dos muros da escola; andei por cerca de 10 minutos e estava prestes a desistir quando o avistei, de longe, na situação em que o descrevi acima. Fui ao seu encontro, chamando por ele, que permanecia imóvel e não esboçava qualquer reação. Finalmente, parei ao seu lado. Éramos apenas nós dois naquela rua deserta, iluminados pelas lâmpadas amareladas de uns postes, posto que era final de tarde e o céu já tinha um tom azul escuro. Mais uma vez chamei por seu nome, sem sucesso. O pequeno e taciturno coleguinha ignorava a minha presença. Tentei puxá-lo pelo braço e a reação foi imediata, livrando-se ele da minha mão. Perguntei o que havia acontecido e o coitado, puto da vida, ainda tentou umas palavras firmes antes de desabar em choro. “não aguento mais”, dizia soluçando. Cheguei a contra-argumentar qualquer besteira, dizer que não era bem assim e que todos tinham por ele grande apreço, apenas não o sabiam demonstrar e - minhas palavras soavam cada vez mais vazias. A ira transformou-se em pura tristeza e aquilo mexeu muito comigo. Acabei tomando a atitude mais simples e sincera possível - ao menos é o que penso hoje. Sentei-me ao seu lado e me coloquei em silêncio, talvez o silêncio mais companheiro de que já participei desde então.

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