segunda-feira, 21 de novembro de 2011


Não faz muito tempo, estive em aventuras familiares no sertão pernambucano. Não esperava além de uma bem-vinda mudança de ares, posto que a cabeça e o coração andavam atribulados naqueles dias. Após horas de estrada, boa parte desta em péssimas condições, chegamos finalmente a Tabira, onde fomos carinhosamente recebidos por um tio em seu pequeno negócio. A localização era privilegiada, com vista para a movimentada pracinha da cidade, famosa por ser um coração comercial, social e cultural da região. Abriram-se as primeiras cervejas, matou-se alguma saudade e de lá cruzamos a fronteira interestadual para adentrar território paraibano, em plena Serra do Teixeira, rumo ao município de Água Branca, onde nasceu minha avó materna. O final de tarde não poderia ter sido mais agradável, pois à medida em que o sol baixava, o frio interiorano mostrava as caras e a conversa em família, na calçada à porta de casa, era regada a cerveja gelada e a boas lembranças. A noite sucedeu-se igualmente simples e sincera; após um jantar rico em especiarias sertanejas, todos se arrumaram e dançaram sucessos de verões passados no ginásio da cidade, ao som do intérprete local Pé Roxo - a origem do apelido me rendeu boas risadas, mas agora me foge à memória. O repertório atirava para todos os lados: de Roupa Nova a Luiz Gonzaga. Lembro que cansado e algo ébrio, ainda tentei folhear umas páginas do Saramago que carregava na mochila antes de adormecer num sono calmo e revigorante, como havia tempos não dormia. Na manhã seguinte, caminhei entre barracas e pessoas na feirinha local, que se revelou um retrato lúcido e carinhoso das tradições populares daquele povo; espantou-me ver, após tantos anos desde a minha última visita, a enorme quantidade de motos e automóveis, que agora dividiam cenário com os ainda presentes carros de boi e cavalos de montaria. O que dizer da pequena cadeia pública, situada porta a porta com o postinho de saúde da família? Isto sim, é vanguarda política – pensei. Por 2 reais, comprei um CD dos Nonatos, famosos na região e compositores de canções imortalizadas por outros artistas, conforme constatamos enquanto ouvíamos os hits já a caminho da próxima aventura: São José do Egito.

Feira de Água Branca - PB


domingo, 13 de novembro de 2011


Espero encontrar na minha vida profissional o mesmo entusiasmo com que vivi os anos de Curso Médico. Além de felicidade por mais uma etapa cumprida, sinto ainda um profundo senso de responsabilidade pela escolha que fiz, pois acredito no papel transformador das ciências da saúde. A ocasião não poderia ser mais oportuna para expressar minha sincera gratidão aos colegas e amigos pelo companheirismo diário; aos mestres, pelos ensinamentos e exemplos; aos profissionais e usuários do Sistema Único de Saúde, por fazerem dele o mais rico cenário de aprendizado para os profissionais do futuro; a Deus, pelo papo sincero de sempre e, finalmente, à minha família, pela confiança e amor depositados em mim ao longo da grande e verdadeira aventura: a vida.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Sobre os momentos mais especiais da vida - I,


costumam ser raros e marcantes; nem sempre nos damos conta de sua grandeza no ato em que ocorrem, sendo por vezes necessária a carinhosa análise retrospectiva, como acontece, por exemplo, quando lembramos do quanto foi mágico aquele dia da infância distante, quando, pequenos em estatura, mas grandes em espírito - como só as crianças sabem ser, recebemos da vida um olhar oblíquo e iluminado. São as lembranças geralmente mais ricas em texturas e símbolos. Assim foi o dia em que, ao final da aula, em uma rua vizinha ao colégio, encontrei um amigo sentado no meio fio, só e cabisbaixo. Após mais um dia de incansável zombaria por parte dos colegas, ele parecia finalmente ter sido abatido em seu ego de pequeno homem. Sendo o cara especial que era, sempre me impressionou a complacência esportiva com que recebia as pesadas brincadeiras dos demais, que insistiam em reparar nos mínimos detalhes de sua existência e disso garantir sua cota diária de diversão. Naquele dia, porém, eu notei a queda do gigante e, angustiado, não o vi entre nós ao tocar do último sino da tarde. Inventei uma desculpa qualquer e fui em sua busca. O movimento ainda era pouco fora dos muros da escola; andei por cerca de 10 minutos e estava prestes a desistir quando o avistei, de longe, na situação em que o descrevi acima. Fui ao seu encontro, chamando por ele, que permanecia imóvel e não esboçava qualquer reação. Finalmente, parei ao seu lado. Éramos apenas nós dois naquela rua deserta, iluminados pelas lâmpadas amareladas de uns postes, posto que era final de tarde e o céu já tinha um tom azul escuro. Mais uma vez chamei por seu nome, sem sucesso. O pequeno e taciturno coleguinha ignorava a minha presença. Tentei puxá-lo pelo braço e a reação foi imediata, livrando-se ele da minha mão. Perguntei o que havia acontecido e o coitado, puto da vida, ainda tentou umas palavras firmes antes de desabar em choro. “não aguento mais”, dizia soluçando. Cheguei a contra-argumentar qualquer besteira, dizer que não era bem assim e que todos tinham por ele grande apreço, apenas não o sabiam demonstrar e - minhas palavras soavam cada vez mais vazias. A ira transformou-se em pura tristeza e aquilo mexeu muito comigo. Acabei tomando a atitude mais simples e sincera possível - ao menos é o que penso hoje. Sentei-me ao seu lado e me coloquei em silêncio, talvez o silêncio mais companheiro de que já participei desde então.